Sobre a Solidão

Quando se diz que a solidão é boa, afirma-se que a sua atividade proporciona benefícios. Para tanto, basta identificá-los. Assim sendo, é preciso um julgamento constante enquanto for da intenção do homem isolar-se dos seus semelhantes. Quer dizer, a solidão possui duas facetas. Sabê-las é o correto, isso é discernir entre as coisas boas e más.
Como tudo na vida, certos limites foram traçados. O que é conveniente para o exercício da solidão é logo identificado, para que não seja o seu limite extrapolado. De onde vem a desordem, o caos.
Fora declarado por mim que a solidão é boa e propicia, porque garante ao homem a afirmação de sua existência, expressando-se tal como queira; aqui a liberdade é irrestrita, e a vontade de ser sobressaí às dificuldades que ele teria se não fosse realmente livre para ser. Há certamente grandioso perigo ao conceder plena liberdade, entretanto, na busca pela sua identidade o caminho é único e não se encontra nele nada que seja danoso. A verdade é que o homem que não sabe gozar a sua liberdade é escravo de si. Tampouco conhece sobre sua natureza, sobre o seu ser, logo, para ele, ser livre é uma oportunidade incompreendida.
Não encontraria sentido algum o homem que procurasse encontrar a si mesmo sem a intenção de manifestar-se como tal. Ele deseja compartilhar suas descobertas, ou melhor, necessita mais ainda compartilhá-las. Em vão seria descobrir-se para si vivendo em plena exclusão de seus semelhantes.
O entendimento de si próprio é a força reguladora das relações entre os homens. Ao passo que isso for compreendido, as virtudes apoderam-se do homem. Elas, aliás, não estão fora da realidade. São tão reais quanto os caminhos do homem natural. Dado a natureza de um homem com o gênero humano falho, isso prova sem múrmuros, e não é uma questão de possibilidades, mas de realidade, a existência de um homem elevado.
O homem sábio antes de pensar em governar, é senhor de si mesmo. Isso o assenta entre aqueles que não são homens comuns. Não há aqui nenhuma indicação de injustiça, a sociedade nos mostra como isso foi possível e continuará a fazer. Nela, os homens são aquilo que almejaram ser, ou são aquilo que foram, porém, o homem não nasce pronto. Tal como uma pedra bruta, ele é quem da forma ao seu ser, a sua vida. Sua forma imperfeita, mal trabalhada, ainda que sejam reflexos de outrem, não constituem inviabilidade, pois é no homem que reside o poder para transformar-se e orientar o curso de sua vida.
Aqueles que não se governam agem mal. Tornam-se, conforme o tempo, objetos de outros homens. A razão disso é obvia; tais homens não refugiaram-se no próprio entendimento. Preferiram a liberdade, sem ao menos compreendê-la e saber como usá-la. Confundiram a solidão por serem incapaz de aceitarem a si. Foram, e continuam sendo, ignorantes. São primitivos, jazem no estado de natureza. Mas ela não é má, porque se nos é permitido sentir, ter desejos, é que nos é garantido saciá-las. Em estado de natureza todos os homens se encontram. Será sempre os abusos o perigo do caos, a partir daí é que se instala o reino da desordem.
A vida é bem ordenada. Observe-a, e comprove. Para tanto, seus estados devem ser investigados; passado, presente e futuro. Destes, o homem mais teme pelo futuro. O que é ilógico de sua parte. Retornando ao passado, perceba que o presente de hoje era o futuro no passado. Existe uma profunda ligação entre os fatos, entre tudo. Só se pode temer o futuro aquele que dele espera coisas. Como elas não acontecem por acaso, é o futuro apenas uma questão de decisões. O presente é composto com as possibilidades. Um futuro agradável é efeito de decisões de acordo com as suas possibilidades de serem. Não há o que temer.
Daí, se o homem recorre ao seu direito de liberdade, e estando em confusão, é natural que goze e abuse do presente. Para tanto, não se faz necessário a compreensão que vem da solidão. Por temer o futuro, que na verdade ele mesmo é quem o faz, não há restrições em respeito ao presente. É onde não consegue governar a si, imaginar algo além daquele tempo, pois está obscuramente corroído no estado de natureza.
Não sendo o exercício da solidão a exclusão absoluta dos outros homens, é assim que o homem comum pensa. Por essa razão, e como não pode sentir, pensar, receber as coisas que suas vontades determinam, sem o auxilio de seus semelhantes, nasce o erro. Para ele, a solidão é algo pernicioso.
A solidão é boa, portanto, quando em sentido de constituir personalidade ao que a exercita. Requer apenas tempo para cultivar a si, sem a interferência dos demais no aprimoramento da própria identidade. É maléfico, e contraria a natureza, quando promove a sua exclusão da sociedade. Embora impossível de ser executada por completa, a menos que se distancie para uma terra remota e sem habitantes, como outros homens atingem sua vida possui uma força mínima. Tornando-se vão e pura tolice este tipo de solidão, que só alguém em falta de juízo procuraria.
O homem é um ser influenciável e possui o poder de influenciar. Isso se dá pela sua constituição, que o fez para estar com outros seres de sua espécie e se relacionar com eles. Tal é o poder da comunicação. Um dos dilemas que nos afetaram sempre foi ou a ausência ou a falsa identidade. O que deveria ser natural, agora é tido como solução, porque foi o fato de a solidão não ter marcado a vida de alguém que realizou tal problema. Seria preferível tê-la como um estágio de nossa vida, porém, quiseram eles experimentá-la como solução; tornando-a mais difícil de consolidar seus objetivos.
A liberdade da solidão é o fato de ser livre e independente para reconhecer a si mesmo. É, no mínimo, dar razão aquilo que se sente, saber o que se pensa, encontrar o porquê das vontades. A liberdade da solidão ocasiona o homem superior!